Existe um lugar onde podemos vivenciar o tempo do encontro. Uma paisagem simbólica do engajamento presente e da esperança futura de uma convivência harmoniosa e democrática de pessoas de todas as origens e idades. É partir do reconhecimento desse oásis socioambiental oferecido pela Liga Solidária e pelo Educandário Dom Duarte que buscamos propor uma arquitetura pautada por uma simplicidade e precisão capazes de valorizar a vocação de suas instituições e potencializar seu compromisso inestimável com nossa sociedade. Um Complexo onde a experiência cívica da reunião e integração geradas pela cultura, educação, esporte e lazer possam nos levar ao legado fundamental da coexistência de todos nós.
Assim, para a construção desse novo lugar, adotamos as seguintes premissas:
Considerando a contribuição secular da Liga, o novo Complexo deve preservar a postura aberta a todos os bairros, comunidades, manifestações socioculturais e econômicas ao redor. A latente carência de espaços públicos nesse contexto, fez-nos reforçar a busca por uma arquitetura capaz de acolher a diversidade de seus visitantes e de vivenciarem aquilo que lhes estimula, seja de modo individual ou coletivo. Ambientes onde se sintam acolhidos, integrantes e livres para se expressar e alcançar novos vínculos entre eles e a instituição. Seguindo a morfologia que prevalece em todo o EDD, partimos de uma organização de cheios e vazios aberta e integrada com a paisagem existente. Um conjunto de edifícios inseridos em meio a natureza, mas com um aspecto singular de também serem unidos por um ambiente arquitetônico de congregação definido pela praça central e a marquise ao seu redor.
Entendemos a clareira desse Campo 3 como um vazio preexistente e respeitado. Um espaço à espera do novo Complexo que permite uma implantação compacta e de impacto mínimo, tanto na vegetação como na topografia. Assim, tudo se concentra nessa cota e se conecta de modo direto pelo grande eixo que nasce do acesso principal do EDD até o largo do Teatro existente. No Campo 2 uma passarela-marquise configura um percurso amalgamado à paisagem conduzindo todos por um passeio que exalta a natureza existente. É desse vetor que derivam os acessos principais e secundários para os programas independentes. Nesse ambiente livre também imaginamos a inserção da Expo Liga 100 anos – sempre aberta e disponível aos visitantes – bem como a Área Externa Coberta para Feiras e Eventos.
Uma nova paisagem de transição é inaugurada pela praça central do projeto ativada por diversos usos e possibilidades. Essa mesma paisagem introspectiva se abre e integra constantemente com a natureza ao redor, por meio da escala do seu vazio que traz as árvores para dentro de si, pelas diversas aberturas e passagens existentes entre os programas e pela materialidade transparente de suas superfícies que permitem se enxergar através. Assim, a natureza verde é sensorialmente trazida para as espacialidades internas do novo complexo.
A complexa topografia do EDD é atenuada por meio de leves transições de níveis sempre acessíveis. Como uma arquitetura topográfica, os usuários são conduzidos por inflexões do chão que definem rampas e passarelas multifuncionais – como vetores de fluxos e abrigo de importantes atividades exteriores. São esses eixos que também conectam estrategicamente todo o conjunto em quatro pontos principais: Campo 1 (futebol), Campo 2 (praça de acesso, feiras e atividades), Campo 3 (novo Complexo Liga), Praça Superior (ginásio e skate) e o Largo do Teatro. Os caminhos ideais que seguem as próprias cotas de nível para suas transposições foram preservados, somando-se novos com o mesmo critério.
A partir da chegada pelo Campo 2, todo o novo Complexo se desenvolve em um único nível regulador: um edifício térreo e plenamente acessível, prescindindo inclusive de qualquer elevador. É essa estratégia que garante uma horizontalidade – e consequente leveza – construtiva de uma edificação de andar único.
No centro da composição a nova praça se define como centro idealizado para as inúmeras atividades desejadas pela comunidade da Liga/EDD e suas várias faixas etárias. Esse espaço de livre apropriação se oferece para que nele cada um possa encontrar seu tempo e espaço numa convivência democrática e complementar. Um lugar para trocas coletivas, aprendizados mútuos e respeitosos com o outro. Ao seu redor, estão distribuídos quatro setores programáticos conectados pelo passeio coberto perimetral e organizados segundo sua vocação programática, critérios de acesso e relações entre exterior e interior.
Quanto aos controles de acesso, o Complexo pode ser integralmente fechado quando necessário e funcionar com autonomia plena em relação aos fluxos do EDD. Ainda assim, cada um dos setores usufrui de certa independência, podendo ser acessados separadamente para eventos externos e parciais.
Abrindo-se para públicos de todas as idades, é imprescindível pensar que o projeto dialogue intrinsicamente com a primeira infância, crianças, adolescentes e idosos, valorizando os critérios de bem-estar, liberdade espacial, bem como atmosferas espaciais que acolham essa dinâmica valiosa de cada um deles. Com isso, uma arquitetura de linguagem aberta e sem barreiras, configurada por uma transparência física, material e simbólica. A isso se somam todas as infraestruturas, banheiros e vestiários acessíveis e multigênero.
O aspecto condutor do sistema estrutural do complexo carrega a intenção de expor por meio da materialidade a necessidade de práticas sustentáveis. Há um envolvimento direto do material com as edificações, onde se manifesta a ideia de que a estrutura pode ser uma força motivadora para o projeto arquitetônico, tanto quanto forma ou significado. O emprego da madeira como elemento de sustentação das construções traz consigo além da capacidade de resistência mecânica, características ecológicas por ter sua origem proveniente de fontes renováveis e de oferta ilimitada quando geridas com responsabilidade.
A escolha pela composição de peças estruturais com seções reduzidas para formulação da estrutura amplia a possibilidade de seleção de espécie da matéria prima conforme a demanda sem que seja comprometida a performance global do conjunto (nesse aspecto consideramos o uso do Pinus ou Eucalipto). Com o auxílio de componentes metálicos para realizar a conexões entre elementos estruturais, se torna viável a aplicação da madeira para vencer os grandes vãos solicitados pelas tipologias arquitetônicas. O processo de fabricação é realizado de modo preciso em um ambiente controlado, garantindo o desempenho da peça produzida, sendo realizada somente a montagem no canteiro de obras, auxiliando na agilidade da logística de montagem e diminuindo o risco de acidentes.
O arranjo estrutural prioriza manter um vocabulário, onde a leveza e flexibilidade do material proporciona variações pontuais para definir a constituição de ambientes distintos. Através do processo de pré-fabricação conferido pelo emprego de elementos de madeira, é possível realizar um método de montagem eficiente, com uma redução de desperdícios e a garantia de uma economia para a obra. A proposta estrutural também respeita todos os coeficientes de segurança e níveis de resistência para que a estabilidade do sistema seja preservada. Para os fechamentos, em diálogo com a tecnologia precisa e industrial da estrutura, painéis de materiais leves e modulares como telhas metálicas, policarbonato, vidro, compensados se somam também ao possível uso de tijolos e cerâmicas, tanto para divisões como para pisos internos e externos.
1º Prêmio
Concurso Público Nacional de Projeto Arquitetônico para o Complexo Cultural, Social e Esportivo no Educandário Dom Duarte - Liga Solidária
Local: São Paulo, SP
Ano: 2022
Área do Terreno: 43.667m²
Área do Projeto: 4.735m²
Autores:
Daniel Corsi
André Sauaia
Dani Hirano
Laura Pardo
Colaboradores:
Christian Salmeron, Leonardo Rocha Moura, Vitor Augusto Teng
Consultores:
Helio Olga, Rodrigo Giorgi (Estruturas de Madeira), Raul Pereira, Paula Martins Vicente (Paisagismo), Marcelo Ribeiro de Aquino Figueiredo Mello (Sustentabilidade)
Video:
David Chang