Uma casa deve guardar um mundo próprio. Por meio de seus espaços e caminhos descortinar paisagens nas suas contemplações, mistérios nas suas intimidades, silêncios em seus vazios. Uma casa deve construir lugares. Buscamos aqui um conjunto de experiências perceptivas singulares do habitar, uma diversidade de espaços que nos levassem da contemplação coletiva à introspecção e que seus habitantes pudessem desfrutar da bela geografia ao redor intensificando as relações entre si e com este lugar que os envolve.

Situada num terreno privilegiado pela esquina essa casa faz uso de suas duas frentes para se organizar e revelar. A síntese compositiva que a define tem dois momentos: um volume monolítico ancorado à terra e um conjunto de planos perpendiculares levemente suspensos. O primeiro irrompe da topografia, o segundo paira sobre a mesma. Sem precisar recorrer aos modelos estilísticos modernos da caixa de vidro, dos pontos de apoio ou dos balanços desmedidos, não há excesso e sim o posicionamento preciso de elementos que configuram uma espacialidade própria.

Como se esculpido de dentro pra fora, o volume principal tem em seus 35 metros de extensão uma série de momentos e vazios que vão desde o pátio de acesso – desenhado não como uma porta, mas sim como uma transição entre o mundo exterior e o interior – à uma sequência de espaços que acolhem grande parte do programa tradicional de uma casa. Outras subtrações se revelam gradualmente em seu interior e se associam à uma espécie de ‘ode à janela’ em que se transformam suas fachadas: inúmeras aberturas de diferentes tamanhos, camadas e funcionamentos enquadram com cuidado a paisagem ao redor trazendo-a para dentro e criando quadros vivos a todo instante em que se circula em seu interior.

O segundo momento da construção se define por dois grandes planos, um horizontal e outro vertical, refletindo as configurações do volume principal. Nele vemos se estender o estar central, ainda interior, mas que se abre plenamente para o conjunto específico de espaços exteriores. Uma sucessão de pátios e jardins organizam suas relações com a paisagem e com as diferentes dimensões de convívio que configuram: do pátio social que mira para as montanhas, ao pátio que se desenha como uma praça interna, vemos a vida em família poder acontecer. Ensolaradas ou sombreadas, secas ou verdes, com diferentes tipos de vegetação e água, essas praças acumulam as possibilidades de convívio de uma casa a qual se soma o terraço elevado na cobertura da sala central.

A materialidade da construção se define por um sistema estrutural de concreto armado e uma série de dispositivos leves em aço e madeira ecológica que recobrem as fachadas do volume principal conferindo-lhe uma proteção térmica substancial como um sistema de fachada dupla ventilada. Esses recursos permitem a construção das várias venezianas e aberturas que dão ao usuário a possibilidade de controlar a privacidade, a ventilação natural, a luminosidade e as visuais. No exterior, dois grandes painéis metálicos basculantes apresentam o mesmo caráter flexível podendo manter-se em posição vertical (que define o plano de divisa), ou então na horizontal gerando zonas de sombra para os pátios internos como grandes guarda-sóis controlados de modo manual e leve por meio de seus contrapesos.

Por fim, a luz natural se revela como um elemento arquitetônico onipresente. A natureza maciça da construção vai revelando aberturas para os horizontes, para o céu e para o chão, paisagens sempre enquadradas por pátios e janelas que a todo momento despertam os sentidos de seus habitantes para a sua posição, guardados por essa arca que repousa ancorada em diálogo com seu lugar.