Daniel Corsi
Como parte de suas condições, a Arquitetura reflete todas as contradições do tempo em que é realizada. Não obstante, hoje temos as nossas: novas ou velhas, atadas como nós. Apresento alguns apontamentos, sem hierarquia e sem qualquer pretensão de serem completos. Apenas apontamentos, onde a obviedade dos valores presentes almeja simplesmente recordar aquilo que já sabemos. Por mais que a palavra Arquitetura não aparece em todos, estou certo de que cada um deles se encontra na Arquitetura.
Nó. 1: Da Utopia
Incontáveis são os nós a serem desatados. No entanto, mais do que tratá-los como problemas insolúveis, podemos, em cada um desses nós, encontrar realidades próprias, mantendo-os precisamente firmes e irrompíveis. Mais do que a utopia, devemos buscar a própria realidade.
Nó. 2: Dos Limites
Existem muito mais coisas dentro e fora de nós do que somos capazes de compreender. Diante desse estado elementar, cabe a nós reconhecermos os nossos próprios limites e buscarmos que se expandam quando se encontrarem com os do outro.
Nó. 3: Da Complexidade
Talvez possamos nos acomodar numa simplificação do mundo de modo a nos sentirmos mais confortáveis diante daquilo que desconhecemos. No entanto, a complexidade que nos cerca é mais do que uma condição e pode ser ela a responsável por nos fazer entender o que é singular em cada um de nós numa construção de um todo diverso e inseparável.
Nó. 4: Das Fronteiras
Muros, divisas e bordas, são inúmeras as fronteiras suplantadas diariamente. Pois assim deve ser, superando não apenas as fronteiras materiais, mas também as imateriais, considerando que, muitas vezes, é o invisível que ergue as maiores barreiras.
Nó. 5: Do Meio
A vida começa em nosso campo social. No entanto, se é o meio que define os indivíduos, infelizmente não são todos os indivíduos que definem o meio em que vivem. É imperativo que possamos contribuir para que mais pessoas participem da construção desse lugar.
Nó. 6: Da Desigualdade
Participar da construção do meio significa superar qualquer diferença, seja ela de gênero, de classe, de etnia ou de qualquer outra que venha posicionar o outro como um estrangeiro do nosso próprio meio. Cabe a nós entendermos que o meio é cada vez mais um só.
Nó. 7: Da Segregação
Segregar ‘semelhantes’ é separar o que parece estável. Segregar ‘diferentes’ é separar não só o que pode ser estável, como também a potência que pode surgir desse encontro.
Nó. 8: Da Ideologia
Parafraseando Rem Koolhaas “hoje, no lugar de valores como Liberdade, Igualdade e Fraternidade, vemos imperar aqueles do Conforto, da Segurança e da Sustentabilidade”. Se nos três primeiros vemos uma convergência ideológica pelo bem comum, nos de hoje o que temos é um auto confinamento do indivíduo a partir do consumo cego de valores que vendem a ilusão de liberdade, igualdade e fraternidade.
Nó. 9: Do Consumo
Consumimos tudo. Consumimos uns aos outros. Consumimos, inclusive, a nós mesmos.
Nó. 10: Dos Ídolos
A demanda por referências pode nos levar a cultos duvidosos: no espetáculo do individual onde a meritocracia impera, temos que cuidar em distinguir aqueles que, no fim, nada mais são do que reféns de si mesmos, condenados a serem imagens daquilo que não são.
Nó. 11: Linguagem
Rafael Moneo nos alerta que “considerando que a arquitetura, de modo algum, já não é mais comunicação, abandonou-se a obrigação de se inventar linguagens.” Pergunto-me: se não inventarmos linguagens para contarmos histórias e transmitirmos valores, o que comunicaremos então?
Nó. 12: Significado
Uma mensagem pode ser muito bem comunicada por meio de uma forma. Ainda assim não podemos conferir à forma uma importância maior do que a mensagem.
Nó. 13: Responsabilidade
Se ética e estética caminham juntas, cabe a nós garantirmos que ambas estejam invariavelmente presentes em cada uma de nossas ações, seja por meio de uma ética bela ou de uma beleza ética.
Nó. 14: Respeito
A consideração do ‘outro’ demanda, acima de tudo, compreensão. Não acredito que devamos atuar todos do mesmo modo, mas, desde que de modo responsável, numa diversidade respeitosa, rica e plural de atuações.
Nó. 15: Da Criação
Ainda que toda criação deva preservar seu caráter intuitivo, devemos reconhecer que a própria intuição também advém de algo anterior. Todo e qualquer processo que originar algo que supere a prepotência do inédito, seguramente alcançará uma profundidade muito mais condizente com as demandas complexas de nosso mundo. Com a arquitetura não deve ser diferente.
Nó. 16: Da Criação Coletiva
Cabe a cada um entender a linha tênue que define a coletividade em seu processo criativo. No entanto, é categórica a natureza coletiva evidenciada a todo o momento de uma realização arquitetônica: da ponta do lápis ao último tijolo. Que a genialidade individual dê lugar a uma dimensão coletiva capaz de construir coisas ainda mais geniais.
Nó. 17: Do Herói Moderno
Ontem, a ilusão de ser um herói construía a si mesma basicamente sobre ideais que, de algum modo, almejavam o bem comum.
Nó. 18: Do Herói Pós-Moderno
Hoje, a ilusão de ser um herói é construída por uma necessidade desmedida de símbolos que almejam unicamente o bem de seu próprio bem.
Nó. 19: Da Solidão
Diante da solidão fundamental, sejam os astros, sejam as divindades, sejamos nós, no fim o que nos resta somos nós mesmos.
Nó. 20: Da Alteridade
Um ‘eu’ sempre implica um ‘outro’, assim como um ‘nós’ sempre implica um ‘eles’. Nunca estamos suficientemente a sós ou unidos. Mais do que viver, é imprescindível buscarmos novas maneiras de conviver.
Nó. 21: Dos Nós
A metáfora é óbvia e já utilizada por muitos. Porém, não por isso é impertinente. Os nós, somos nós. Nós somos os nós de nós mesmos.
Título: Nós
Autor: Daniel Corsi
Ano: 2016
Texto escrito originalmente para o evento ‘Conspiração Especial’ ocorrido no dia 10/Outubro/2016. Evento ligado à XIII Semana Viver Metrópole organizada pelos estudantes do cursos de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Mackenzie, este ano sob a temática “Nós”.
Legendas Imagens:
1 (Logotipo XIII SVM – ‘Nós’)
Créditos Imagens:
1 (DAFAM – Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura Mackenzie)
Como citar:
CORSI, Daniel. Nós. Atelier Daniel Corsi, São Paulo, 2016.
<http://www.danielcorsi.com/ensaio/nos>
(Textos e imagens de usos e fins exclusivamente acadêmicos)